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MPF questiona veto à terapia hormonal para crianças e adolescentes

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© Leobark Rodrigues/Secom/MPF

No cenário atual da saúde e dos direitos humanos, a regulamentação do atendimento às pessoas trans é uma questão que desperta debate acalorado, envolvendo aspectos éticos, jurídicos e sociais. Recentemente, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) veio à tona, suscitando discussões relativas à sua compatibilidade com princípios de despatologização e autonomia, bem como com decisões judiciais superiores e recomendações internacionais.

A normatização publicada pelo CFM, que revisa procedimentos éticos e técnicos para o atendimento a indivíduos com incongruência de gênero ou disforia de gênero, estabelece limites que podem afetar significativamente o acesso a tratamentos médicos, especialmente para crianças e adolescentes. Assim, um procedimento instaurado pelo Ministério Público Federal (MPF) busca esclarecer a legalidade dessa resolução, destacando sua potencial incompatibilidade com o reconhecimento da identidade de gênero como aspecto fundamental da autonomia pessoal.

Repercussões jurídicas e éticas da norma do CFM

O Ministério Público Federal abriu um procedimento de investigação com base em denúncias formuladas pela Associação Mães pela Diversidade e por uma nota técnica publicada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Essas organizações manifestaram preocupação com possíveis violações de direitos que podem resultar da restrição de tratamentos médicos às pessoas trans, sobretudo às crianças e adolescentes, que representam grupos vulneráveis na pauta dos direitos humanos.

Segundo o MPF, as entidades alertaram para o fato de que a resolução do CFM dificultaria o acesso a procedimentos terapêuticos essenciais para indivíduos com disforia de gênero, como a terapia hormonal cruzada e intervenções cirúrgicas de redesignação de gênero. Essas práticas, que vêm sendo cada vez mais reconhecidas como direitos humanos fundamentais, têm fundamentação sólida na literatura médica, na jurisprudência e nas recomendações internacionais.

O procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Lucas Costa Almeida Dias, encaminhou um ofício ao CFM solicitando informações detalhadas sobre os argumentos técnicos e jurídicos que sustentaram a norma. Destacou-se a existência de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que fortaleceram a autonomia de pessoas trans em relação aos tratamentos médicos, além do reconhecimento da despatologização da transexualidade pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Tais elementos indicam uma possível divergência entre a normativa do CFM e a jurisprudência de instâncias superiores.

Principais mudanças e controvérsias na resolução do CFM

Para compreender as implicações dessa norma, é fundamental analisar seus principais pontos. O documento proíbe explicitamente o bloqueio hormonal para crianças e adolescentes com incongruência ou disforia de gênero, o que representava até então uma prática comum em alguns centros de saúde, com o objetivo de evitar a intensificação do sofrimento psicológico, além de oferecer uma condição de maior autonomia para o indivíduo.

Por outro lado, a resolução estabelece que a terapia hormonal cruzada — que consiste na administração de hormônios sexuais para induzir características secundárias condizentes com a identidade de gênero do paciente — só poderá ser iniciada após os 18 anos. Assim, há uma limitação significativa na possibilidade de acesso a tratamentos que poderiam reduzir o sofrimento e melhorar a qualidade de vida de jovens transgênero durante a adolescência.

Além disso, a norma restringe drasticamente o acesso a cirurgias de redesignação de gênero antes dos 18 anos e, em casos com potencial efeito esterilizador, antes dos 21 anos. Outra orientação importante aponta que indivíduos trans que mantenham seus órgãos reprodutivos devem buscar atendimento com profissionais do sexo biológico, e não de acordo com sua identidade de gênero, o que levanta questionamentos éticos sobre o cuidado centrado na pessoa e sua autonomia.

Impactos sociais, éticos e políticos

A controvérsia envolvendo essa resolução do CFM reflete uma tensão maior entre discursos conservadores e os avanços no reconhecimento dos direitos trans. Por um lado, há argumentos baseados na segurança e na suposta proteção ao bem-estar dos menores, muitas vezes alimentados por perspectivas morais tradicionais e por uma visão de que intervenções médicas ainda não totalmente consolidadas poderiam causar danos irreversíveis.

Por outro lado, a literatura médica atual e as recomendações internacionais adotam uma postura de respeito à autonomia e à identidade de gênero, promovendo o acesso a tratamentos compatíveis com a fase de desenvolvimento de cada pessoa, ainda que sejam menores de idade. A despatologização da transexualidade, por exemplo, reconhece que a condição de incongruência de gênero não deve ser tratada como um distúrbio, mas como uma expressão legítima da diversidade humana.

Assim, as ações do MPF indicam uma tentativa de assegurar que as normas do CFM estejam alinhadas com os princípios constitucionais de dignidade, autonomia e igualdade, além de respeitar orientações internacionais. A decisão de investigar a compatibilidade da normativa evidencia a complexidade do tema, que envolve direitos fundamentais, segurança jurídica e credibilidade na prática médica.

O debate permanece vivo e é fonte de polarização, revelando as diversas facetas de uma sociedade que, cada vez mais, reconhece a diversidade de identidades e a necessidade de políticas públicas que garantam proteção, inclusão e acesso a direitos essenciais. Como esse procedimento será conduzido e quais decisões poderão advir dele, ainda é um ponto de atenção para o avanço de uma narrativa que valoriza os direitos humanos acima de interesses políticos ou ideológicos.

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